Na edição do dia 4 deste mês do “Domingão do Faustão”, Rodrigo Lombardi serviu de jurado no quadro “Dança dos Famosos”. Como estou de volta aos EUA, tenho menos chances de estar perto de alguma televisão que esteja ligada naquele programa e, portanto, não o assisti. Porém, alguns dias depois, recebi de uma amiga um clipe do Youtube com um discurso do Rodrigo Lombardi sobre o Sammy Davis, Jr. A implicação do clipe é de que o ator fez uma declaração preconceituosa. Respondi à minha amiga Sandra Coleman e à lista "discriminacaoracial", gerenciada por Humberto Adami. Desde então, já vi o clipe postado em vários sites. Por isso, resolvi reproduzir aqui o texto que escrevi sobre o assunto, três dias atrás:
...custei a responder porque queria rever o clipe. Da segunda vez, assisti a ele na íntegra. O Rodrigo Lombardi exagerou ao comparar o Miguel Roncato, ainda muito iniciante na carreira, embora com potencial, ao gigante que foi o Sammy Davis, Jr. Porém, pra mim o discurso do Lombardi denota não necessariamente seu próprio preconceito, mas sim o da sociedade americana. Durante grande parte da carreira do SDJr., os artistas negros que conseguiam romper a barreira do “Chittling Circuit” (literalmente, o circuito das tripas de porco, i.e., as platéias exclusivamente negras) eram obrigados a entrar pela porta dos fundos dos teatros, pela porta da cozinha dos hotéis e se arriscavam a serem linchados a qualquer momento se seu status de artista fosse desconhecido. E isso não garantia sua sobrevivência: a grande cantora Bessie Smith, por exemplo, sangrou até morrer após um acidente de carro no Sul dos EUA porque estava perto demais do hospital dos brancos e longe demais do hospital dos negros. Fossem artistas ou não, os negros precisavam ser bons para serem considerados gente e excelentes para serem considerados bons. Além disso, negro era sinônimo de feiúra, ainda mais um “negro caolha” e baixinho como o SDJr.; essa idéia persistiu pelo menos até a popularização do “Black is Beautiful” nos anos 1960 e 70. Acontece que o SDJr. era tão brilhante que, ao fim das suas apresentações, as platéias brancas o viam como um igual, pelo menos naquele momento. Em outras palavras, o talento dele o transformava, ainda que temporariamente, num louro alto de olhos azuis aos olhos das platéias brancas. Isso é preconceito? racismo? Com certeza, mas não necessariamente do indivíduo em questão. Resumindo: o discurso do Rodrigo Lombardi não me chocou. Muito mais espantoso pra mim foi ele ter conseguido falar frases inteiras sem ter sido interrompido nenhuma vez pelo Faustão.